quarta-feira, 9 de julho de 2014

Em Nome Do Futebol, Sete Vezes Obrigado!

Foto: Sérgio Barzaghi / Gazetta Press
O Maracanã, em 1950, sediou o último jogo naquela edição de Copa do Mundo. Como tratava-se de um confronto direto pelo título mundial, dá para chamar aquele encontro entre brasileiros e uruguaios pela última rodada de quadrangular final de... final. O Brasil seria campeão com um empate, mas acabou derrotado pelo Uruguai pelo placar de 2a1. Conta a história que, por causa de uma suposta falha individual, o goleiro Barbosa foi escolhido como vilão. Nas imagens que a mim chegaram, não vi qualquer falha que seja digna de responsabilizar um único indivíduo pelo insucesso no jogo. Jogo de placar apertado, que por detalhes poderia ter tido um desfecho diferente. Mas, no final das contas, título uruguaio num episódio até hoje tratado como uma tragédia, com direito a nome próprio: Maracanazo.

Num estádio com público recorde de 199.854 espectadores, o oba-oba pelo título que era dado como certo foi substituído por um silêncio sepulcral. Gigghia, autor do gol da virada, afirmou certa vez: "O silêncio era tão grande que se uma mosca estivesse voando por lá, ouviríamos o seu zumbido".

Passaram-se 64 anos e creio não haver uma única testemunha presente naquele Maracanã que também estivesse nesse Mineirão, em 08.07.2014, para a semifinal entre Brasil e Alemanha. Creio que não e torço para que não. Dessa vez, um público muito menor presente nas arquibancadas, em função do novo modelo de estádios brasileiros. Um formato padronizado que tira quantidade e qualidade dos estádios, pois elimina do local do jogo o povo apaixonado pelo futebol, em função de uma elitização impositiva. Sai a festa da autenticidade, entra o comportamento padrão FIFA. Não leve a mal, são apenas negócios. Não pode consumir o produto futebol? Viva essa paixão assistindo pela televisão.

Dessa vez, ao contrário de 1950, não houve tragédia. Em 2014, houve conseqüência. Conseqüência de um cenário trágico, que assola estruturalmente a instituição que se apropriou do futebol nacional: a Confederação Brasileira de Futebol. O deputado federal Romário, protagonista no tetracampeonato em 1994, alega já ter pedido por diversas vezes uma intervenção política do governo federal no futebol brasileiro. Em 2012, apresentou um pedido de CPI da CBF, "baseado em uma série de escândalos envolvendo a entidade, como o enriquecimento ilícito de dirigentes, corrupção, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e desvio de verba do patrocínio da empresa aérea TAM. O pedido está parado em alguma gaveta em Brasília há dois anos". O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, julga não ser o momento adequado para instalar a CPI.

Enquanto isso, vamos sendo presididos por José Maria Marín, indivíduo que participou ativamente da ditadura militar, apontado como envolvido em torturas e assassinatos. Enquanto isso, vamos vendo Parreiras, Dungas, Manos e Scolaris assumindo o comando da seleção brasileira de futebol profissional. Ou seja: o futebol arte, no Brasil, está tão engavetado quanto o pedido de instalação de CPI. Só que há muito mais tempo.

Na Alemanha, o fluxo é no sentido contrário: a seleção age no sentido de encontrar, abraçar, casar e constituir família com o futebol que abandonamos em algum momento no passado. Sugiro uma (re)leitura num texto publicado nesse blógui em 13.06.2010: "Amantes Do Futebol Arte, Eu Vos Apresento... A Alemanha!". Outra recomendação é assistir essa Alemanha de Joachim Löw jogar. Simplesmente assistir. Saborear. Apreciar. O oito de julho de dois mil e catorze é uma data a ser lembrada com alegria pelo futebol mundial. Data em que o planejamento que privilegia tática e talento superou, com sobras arrebatadoras, o acaso e a malandragem. Data em que o toque refinado superou a simulação para ludibriar a arbitragem. Data em que o futebol venceu com uma goleada histórica. Com direito a gol de Miroslav Klose, o seu décimo sexto na história das Copas, o que dá ainda mais relevo à data pois torna o camisa onze alemão o maior goleador de todos os tempos na competição.

Vinda de um passado onde jogava algo muito parecido com futebol, mas que não era futebol, a Alemanha há alguns anos atua com graça, beleza, encanto, magia. Atua como uma certa seleção brasileira, que não cheguei a ver jogar, mas cujos relatos me fazem sentir saudade de um tempo que não presenciei. Quer dizer, talvez não neste corpo. Fato é que o Brasil de hoje não parece o Brasil que a história endeusa. Muito pelo contrário. O Brasil de hoje é um desaforo à prática futebolística. É como se tivéssemos parado no tempo. Antes tivéssemos parado no tempo certo, mas escolhemos os anos de Parreiras, Dungas, Manos e Scolaris. Tempos de Ricardo Teixeira e José Maria Marín. Talvez a culpa não seja nossa. Talvez a culpa seja do resto do mundo, que evoluiu e nos deixou para trás. Que o goleiro Barbosa possa, de uma vez por todas, descansar em paz.

Extraído de Soccerway
Extraído de Soccerway
Foto: David Gray / Reuters

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